por Fernando Sobral
Elegância é simplicidade. Aprendemos isso no tempo em que as estrelas de cinema, ícones da elegância, eram aristocratas do gosto. Hoje, na idade em que a velocidade conquistou os nossos dias, a elegância tornou-se um exercício de relações públicas diárias. Para onde corre a moda. Para onde navega a moda portuguesa? José António Tenente, um nome cuja carreira se confunde com o da nova moda portuguesa, a que nasceu nos alvores dos anos 80 do século XX, pressente a brisa que nem sempre aproveitámos para nos libertar. Falamos no dia a seguir à morte de Alexander McQueen. À nossa frente está o “Financial Times”, que o considera uma “rock star” da moda. Mas não é isso que nos traz à conversa. É um livro, de Cristina Duarte, agora editado pela Difel, que percorre estes 25 anos de carreira. São muitas impressões digitais que deixou na terra dos sonhos portugueses. Será a marca JAT uma flecha de Cupido? Na sua simplicidade, o criador abre o seu jogo de cartas.
Era possível em Portugal suceder uma coisa assim: um jornal dizer que Alexander McQueen era uma “rock star”?
É como noutros meios. Nós temos uma escala diferente. Mesmo uma “rock star” em Portugal é muito diferente de uma “rock star” a nível mundial. Temos sempre o problema da escala. Muitas vezes até há fenómenos relativamente regionais a nível dos seus países que, mesmo assim, conseguem ter uma projecção global que ultrapassa essa dimensão regional. Enquanto aqui quando se tem uma dimensão regional, tem-se uma dimensão regional. Ponto.
Não era possível haver excepções a essa regra fadista?
Claro que há excepções e que há alguns trabalhos que são mostrados no estrangeiro. Mas é sempre uma repercussão muito relativa. Há um trabalho de imagem e de criatividade que é muitíssimo superior aos resultados efectivos. Quando me perguntam como é que está a moda nacional no estrangeiro, eu respondo que há duas perspectivas. Uma é ao nível da criatividade e eu penso que se conseguem paralelos ao nível de vários pontos do mundo. E depois ao nível da expansão de negócio. Aí é que…
A dimensão é crucial…
Acho que sim. Hoje o mundo mudou muito, tal como o mercado e o negócio. E assim, se calhar, algumas destas coisas que estou a dizer não fazem tanto sentido como quando comecei. Mas muitos projectos a nível global começam na escala nacional e nalguns mercados essa escala nacional permite-lhes algum fôlego para outros espaços. Enquanto que por cá a nossa escala é muito redutora.
Estamos sempre com músculos reduzidos…
Sim…Eu sinto um bocadinho isso. Há marcas mundialmente conhecidas com um volume de negócios incrível que têm o mesmo tempo de existência do que a minha. E eu sei que a marca José António Tenente tem um percurso em Portugal, tem notoriedade, tem isso tudo. Mas é o que escutamos muitas vezes em todas as áreas ligadas à criatividade. É a diferença entre nascer num pequeno país periférico e num maior e não periférico.
Mas a criatividade e a lógica de negócio continuam a falar linguagens diferentes entre nós, não?
Um dos problemas que podem existir nessa ligação é que nem sempre o criativo é a melhor pessoa para gerir o negócio. No meu caso quem gere o negócio é a minha irmã. Mas nós sempre tentámos encontrar parceiros. Mais do que fornecedores, a ideia foi encontrar parceiros. E ao longo destes anos, que já são muitos, não foi muito fácil. Quando começámos, entre o meio e o final dos anos 80, a indústria têxtil ainda estava a viver um período relativamente risonho, sem problemas de produção. Para quem estava a começar, como nós, as nossas quantidades não eram aliciantes. E nós tentámos que eles nos vissem sempre para lá da perspectiva de cliente. Em Portugal começámos muito tarde este processo. Basta compararmos com Itália: eles lá tinham aquilo montado. Lá há muitos mini-ateliers que estão vocacionados para trabalhos deste género. E apostaram na qualidade, na diferença e na marca Itália. A nossa história de moda tem 25 anos.
São quase os anos em que está aqui…
Praticamente. Havia três ou quatro nomes. Crescemos ao nível da imagem e da percepção de um público mais vasto. Agora os miúdos que querem seguir esta área já têm exemplos. Quando eu comecei só havia um exemplo: era a Ana Salazar. Mas faltou sempre a componente mais empresarial. É claro que há objectivos diferentes. Não sou partidário de subvenções a fundo perdido do Estado, mas nunca houve uma aposta clara estatal. Temos um caso ao lado, Espanha, em que nem todos os criadores e empresas que foram apoiadas chegaram ao patamar que seria desejável, mas há muitas. E em design de autor há muitos exemplos dos que passaram essa fasquia da dimensão. Houve uma estratégia concertada: vamos investir na moda como se investe noutra coisa qualquer. Não era por acaso que tinham manequins de topo internacional, que eram pagas para ir lá fazer promoção. Tiveram desde logo duas vantagens face a nós: o seu mercado interno é maior do que o nosso e têm uma auto-estima maior do que o mercado interno. Nós não temos aquela coisa colectiva que é gostar tanto de nós como dos outros. Não é alheio termos vivido numa ditadura, num país fechado, em que o que vinha de fora era melhor e as pessoas não tinham acesso a muitas coisas. Agora já passaram muitos anos e estamos quase no ponto oposto.
As apostas de internacionalização nunca chegaram a lado nenhum. Porquê?
Nós fomos sentindo ao longo dos anos, até porque fomos fazendo algumas experiências a nível do estrangeiro, que ou há capacidade financeira para investir num tempo certo e regular, ou então nem vale a pena gastar dinheiro. Houve muitas coisas que foram feitas, e que continuam a ser, mas é de promoção de imagem de quem as está a promover. Em vez de ser do produto. A moda, desde há uns anos, passou a ser vista como um bom veículo de promoção. Em vez de serem os queijos, os enchidos ou a cortiça, passou a ser a moda. Mas que não estava ninguém muito interessado em promover a moda enquanto produto, não estava. Porque senão não estávamos a falar disto agora. Continuamos a não fazer um trabalho muito consistente. Não é por se ir a Paris mostrar uma colecção e voltar-se lá seis meses depois que se muda isso. E muitas vezes nem são as mesmas pessoas. Falta coragem política para dizer: estes são os casos em que vamos apostar. São estes os que fazem mais sentido. E depois falta outra coisa em Portugal: não há grupos financeiros que apostem na moda de autor. Como apostam noutras coisas. Muitas das grandes empresas mundiais têm carros, vinhos ou moda. Exceptuando o caso da Ana Salazar, onde houve alguém que achou que deveria investir numa marca de design de autor, para desenvolver um projecto mais alargado, não há. Essa tem sido sempre a nossa batalha.
Folheando o livro de Cristina Duarte descobrimos muitas coisas sobre si. A sua paixão pela pintura de Klimt é uma delas…
É engraçado, estas questões do gosto têm picos. Eu sempre gostei da obra do Klimt, se calhar já fui mais entusiasta do que hoje, mas tem a ver com a descoberta. Qualquer pessoa da minha geração tem a paixão pelo Klimt. Pictoricamente é muito aliciante. E para a minha área é muito inspirador e rico. É muito forte. Vemos ao longo da história a quantidade de vezes que o Klimt é inspirador de colecções. Achei curioso a forma da Cristina Duarte pegar nisto. O resultado foi para mim surpreendente. Foi uma ideia interessante e original, porque não se tratava de fazer uma biografia.
Antigamente a moda tinha a ver com o sonho. Agora parece que a utilidade é mais importante. Ou não?
Não me parece muito isso. Eu acho que hoje já ninguém precisa de nada. Estamos a falar a este nível. Não estamos a falar das necessidades básicas. Mas ao nível da faixa do consumo dificilmente as pessoas compram uma coisa porque lhes faz muita falta. Dou um exemplo: as pessoas precisam de um casaco para o Inverno. Agora têm vários. Antigamente só tinham um. O factor desejo/impulso é o mais decisivo quando alguém vai comprar algo. Nem sempre as pessoas compram aquilo que é mais prático ou vai dar mais jeito. As pessoas consomem por aproximação. O sonho ainda continua a comandar mais do que a necessidade.
Gostava de ter uma marca global?
Gostava de ter um projecto com alguma dimensão, com alguma ligação ao público. Porque o meu trabalho, como autor só fazia sentido se tivesse um público. Não tenho a perspectiva da auto-satisfação. Esta é uma marca de design de autor. As marcas de autor criam conceitos identificativos. JAT é uma marca, de design de autor, com diferença, detalhe e cuidado. Não me interessa ter produtos com assinatura só por os ter. Têm de ter a ver connosco.
Acha que o futuro é tão brilhante que vai ter de usar óculos escuros, como naquela canção pop dos anos 80?
Essa pergunta é das piores. Porque como não sou muito optimista, tenho esta fatalidade nacional. Usar óculos é sempre bom. E se usarem uns óculos com a marca JAT acho excelente. Mas nos anos 80 tudo parecia mais “bright”. Nesta altura é difícil ver tudo tão “bright”. Mas temos armações que nos descansam um bocadinho a vista.
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